A Constituição Federal promulgada em 1988, tida como uma das mais democráticas do planeta, foi antecedida por, mais ou menos, dois anos de trabalhos para a sua concepção. Desnecessário assinalar até ao mais desavisado que a composição do Congresso na época era técnica, intelectual e, penso, portanto, salvo melhor juízo, moralmente superior e grau imensurável.
A apelidada "Carta Cidadã" nasceu do ventre de um parlamento ciente da dívida histórica acumulada do Estado Brasileiro diante de seu povo. Para além, vigorava então sensibilidade dos congressistas a propósito das demandas e clamores nacionais, de forma direta ou por meio das instituições representativas civis que protagonizaram o forjo da Lei Republicana.
Dos princípios alicerçais contemplados, o que determina presumir-se inocente aquele que é acusado de ilicitude até o trânsito em julgado de decisão judicial condenatória materializa e faz ver a fé que o Estado Brasileiro depositou em seu povo como gente ordeira e de bem, o que deveria ser observado de maneira absoluta e irretorquível tal qual se dá em outros países.
Ocorre que o permanente estado de alerta em que se habituou a viver o cidadão daqui, de tudo e de todos desconfiando, por ser costumeiramente premido a tal, revogou a constitucional presunção de inocência pela prática/popular/corrente presunção de culpa.
Quisera eu estar me referindo somente aos investigados, ou denunciados, ou processados ou, ainda, aos condenados recém em primeira instancia em razão dos escândalos de corrupção que não cessam e eclodem todos os dias. Mas não, pois já superamos esse grau de desrespeito à garantia fundamental e à legalidade...
A mim preocupa tanto, ou mais, o fato de o conterrâneo, o compatriota ser digno antes de desconfiança, cautela, para merecer crédito. Sua consideração social depende de anterior, explícita e exaustiva prova de probidade mesmo sem jamais ter sido sequer acusado de qualquer fato, de qualquer natureza, que macule sua conduta.
No Brasil, até prova em contrário, por exemplo, o agricultor polui, o advogado é dinheirista, o médico agrava o diagnóstico artificialmente e inventa procedimento, o empresário sonega, o juiz vende sentença, os fiscais e demais agentes públicos "comem bola", o candidato quer "se arrumar", o eleito entrou no jogo, o reeleito é cobra criada e o transeunte (até o coitado do passante), ronda para assaltar.
A prosperidade, que deveria ser motivo de regozijo pela produção de riquezas e circulação de resultados, é exteriorização de patrimônio que tem de ser investigado, pois se não é oriundo do futebol ou da música, pode "ter coisa aí"... Caso não, o próspero que o prove.
De tantas, uma das maiores distâncias entre a Constituição e a realidade do brasileiro pode ser esta: ela confiou e confia em nós.